A investigadora Alice Frade defende um maior investimento na prevenção da prática da mutilação genital feminina, sobretudo na área da educação junto das comunidades imigrantes, em relação estreita com o empoderamento das mulheres de países praticantes.
Em entrevista à Agência Lusa, durante o 1º Encontro Regional para a Intervenção Integrada pelo Fim da MGF e por ocasião da comemoração do Dia Internacional de Tolerância 0 à Mutilação Genital Feminina, que se assinalou a 6 de fevereiro de 2016, a investigadora sublinhou que "se não reforçarmos a prevenção, vamos andar sempre a proteger as vítimas e a criminalizar os agressores. Temos que garantir que não aconteça e, ao mesmo tempo, que mulheres e famílias estão confortáveis com os argumentos para dizer não à MGF".
Alice Frade, da P&D Factor-Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento, alertou para o facto de em Portugal, existirem associações formais e informais de mulheres, de vários países onde existe Mutilação Genital Feminina (MGF), e que é necessário que essas mulheres sejam mais ouvidas, e que sejam criadas estratégias para as envolver de modo a que possam ser as vozes efetivas da mudança.
Defendeu também que é fundamental que o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) tenha um maior envolvimento nas temáticas da MGF e dos casamentos forçados e precoces, exatamente por ser a entidade responsável por todo o trabalho e coordenação com as comunidades imigrantes. Preconizou ainda que a questão da MGF e dos casamentos forçados e precoces devem ser abordados, tal como a violência doméstica e os abusos infanto-juvenis, nas escolas, em vários níveis de ensino
Por ser uma prática associada ao Islão, a investigadora destacou a importância de um trabalho de informação sobre a MGF com líderes religiosos em Portugal "das várias mesquitas espalhadas pelo país para que atualizassem os seus conhecimentos em relação à prática".
De acordo com o primeiro estudo português sobre prevalência da MGF em território nacional, a maioria dos casos registados em Portugal - 6.576 - são mulheres da comunidade imigrante da Guiné-Bissau.
O estudo foi realizado pelo CESNOVA/CICS.NOVA da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Para a investigadora, a agenda da política externa portuguesa tem que chegar aos países onde existe MGF e/ou casamentos forçados e precoces, "com disponibilidade das entidades oficiais portuguesas para que a MGF faça parte da agenda discursiva".
Além da Guiné-Bissau, Moçambique regista, em determinadas zonas do país, 'práticas vaginais tradicionais', que não estão relacionadas com o corte dos órgãos sexuais femininos, mas com o alongamento dos pequenos ou grandes lábios.
A nível internacional, a MGF é considerada uma violação extrema dos direitos humanos. Em Portugal, a lei que autonomiza o crime da MGF e cria os crimes de perseguição e casamento forçado entrou em vigor em setembro passado. Na Guiné-Bissau, a MGF é crime autónomo desde 2011.
Portugal tem um programa de ação para a prevenção e eliminação da MGF desde 2009, coordenado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), estando atualmente em vigor o III programa de ação, parte integrante do V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género 2014-2017.
Pelo menos 200 milhões de raparigas e mulheres foram vítimas de MGF em 30 países, de acordo com o último relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por ocasião do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina.