Para Edgar Martins a fotografia é um «media construído à volta de tensões conceptuais» e o trabalho que mostra até 7 de junho em Cardiff, no País de Gales, no âmbito do festival Diffusion, pretende ser isso mesmo – um projeto sobre «o paradoxo do modernismo e da modernização».
A exposição The Time Machine, patente na capital do País de Gales, surgiu em resultado de um convite formulado pela Fundação EDP a Edgar Martins, um «artista fotográfico» que tem vindo a ganhar crescente visibilidade e a suscitar polémica, nomeadamente no exterior, particularmente depois do seu trabalho sobre a crise do subprime, encomendado pelo New York Times, ter sido retirado do sítio do jornal por algumas imagens terem sido tratadas digitalmente – uma liberdade criativa justificada por ser um trabalho fora dos cânones do fotojornalismo, que Edgar Martins não pratica, e de «a ficção» ser, muitas vezes, «a representação mais eloquente e fecunda da realidade».
O convite há três anos da Fundação EDP para produzir uma «intervenção artística» nos projetos hidráulicos da empresa elétrica portuguesa foi uma oportunidade agarrada por Edgar Martins que, segundo afirmou numa entrevista à assessoria de comunicação do festival de Cardiff, «sempre quis realmente explorar» os temas «industriais», uma tarefa não muito fácil de concretizar, em seu entender, pela necessidade de reunir um determinado conjunto de condições, entre as quais o acesso a locais como aqueles cujas imagens agora expõe.
«Não havia realmente um tema por onde começar. Penso que na altura eles [Fundação EDP] tinham uma ideia muito mais modesta sobre este projeto». Mas, do levantamento prévio que fez das barragens da Picota, Bemposta e Miranda, no nordeste transmontano, «ficou imediatamente claro» para Edgar Martins «que faria das centrais elétricas o foco central do trabalho», por duas razões: porque existia já «uma cultura visual saturada por imagens de barragens» e porque nas centrais elétricas havia uma «sobreposição de narrativas» que lhe interessava.
Através das imagens das centrais, Edgar Martins dá corpo àquela que é uma das suas preocupações, quando diz que o «processo de lenta revelação e sensação de manipulação temporal» é, em sentido amplo, «realmente crucial» para o seu trabalho e para a sua prática.
Ora, muitos dos espaços que mostra «foram construídos num tempo de excitante inovação tecnológica e, pode mesmo dizer-se, de crença otimista no futuro». «A arquitetura de centrais elétricas mais antigas, que datam dos anos 20 aos anos 70», comparada com as mais modernas, torna «imediatamente claro que eram mais do que projetos meramente económicos ou utilitários», explica Edgar Martins. «Eram também projetos políticos, sociais e - pode mesmo dizer-se – aspiracionais», associados à «ideologia da modernidade».
Assim, para o «artista fotográfico», «existe uma confluência interessante de temporalidades em jogo neste trabalho. Nestes espaços há presente que se refere ao passado, que olha para o futuro. O projeto não é apenas sobre mecanismos e a geração de eletricidade. É um projeto que fala do paradoxo do modernismo e da modernização».
O festival Diffusion, que acolhe neste mês de maio a exposição de Edgar Martins com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e do Camões, IP, procura na edição de 2013 responder à pergunta ‘Onde é que está a fotografia agora?’, em tempos de «abundância de imagens» e em que se esbatem as fronteiras entre os criadores e o seu público, entre o amador e o profissional. «O mundo nunca antes foi tão visualizado, e no entanto a natureza e o significado da fotografia e o seu estatuto na arte nunca foi tão acaloradamente debatido», dizem os organizadores do festival. Com algumas dezenas de projetos, envolvendo muitas dezenas de artistas, produtores culturais e curadores, esse debate prossegue agora em Cardiff.