Mariza, Ana Moura e Ricardo Ribeiro são as cabeças de cartaz do festival de fado a que Madrid vai assistir e ouvir de 21 a 24 de junho nos sofisticados Teatros del Canal, numa iniciativa de duas produtoras privadas portuguesas – ‘Alto e Bom Som’ e ‘Everything is New’ - apoiadas por entidades públicas, entre as quais o Instituto Camões.
O festival, que promotores reivindicam como «a maior mostra de fado a nível internacional» e «uma oportunidade para a afirmação dos artistas portugueses no panorama da música internacional», é uma reedição do que se realizou há um ano na capital espanhola, seguindo um figurino semelhante, com espetáculos, exposição e conferências, mas com outros protagonistas. Há um ano, em plena campanha para obter a declaração do fado como património imaterial da Humanidade pela UNESCO, conseguida alguns meses depois, os protagonistas foram Carlos do Carmo, Cuca Roseta e Carminho, a qual, notam os organizadores do evento, «meio ano depois, seria a primeira artista portuguesa a chegar ao nº 1 do top espanhol», «muito por culpa de uma bem-sucedida colaboração com Pablo Alborán» – explica Luís Chaby Vaz.
O conselheiro cultural na Embaixada portuguesa em Madrid adianta que a presença de nomes grandes do fado nos palcos espanhóis «é uma constante» e as suas principais figuras apresentam-se frequentemente nos palcos espanhóis com êxito. Descreve o mercado espanhol como «maduro» em que a declaração da UNESCO pouco acrescentou. «As salas apresentam os cantores e não o ‘fado e este fenómeno passa-se um pouco por todo o território, não apenas nos grandes centros de Barcelona e Madrid».
Este ano o festival decorre sob o signo das ‘casas de fado’, recriadas no primeiro espetáculo, a 21 de junho, dirigido pelo fadista Rodrigo Costa Felix, com a participação dos jovens intérpretes Lina Rodrigues, António Vasco Moraes e Carmo Moniz Pereira. Como nos estabelecimentos onde, no final do século XIX, o fado era ouvido fora das portas de Lisboa «por um estranho público, em que se misturavam a aristocracia decadente, os mais pobres e os marginais», não há programa e, «com sorte», dizem os promotores, «pode acontecer uma desgarrada, quando alguém improvisa e os cantores entram em diálogo...».
Origem operária
As ‘casas de fado’ serão também o tema da exposição que o festival leva a Madrid, com a colaboração da EGEAC e do Museu do Fado, cuja diretora, Sara Melo Pereira, proferirá uma conferência sobre o fado como património na capital espanhola.
A outra conferência do programa do festival será do antropólogo e gestor cultural Paulo Lima, que abordará as origens do fado, desenvolvendo a tese da sua filiação operária, em ultrapassagem do clássico debate sobre as origens brasileira ou portuguesa.
Na apresentação da conferência O Canto do Fado, um canto imperial e operário, de Paulo Lima, que fez parte da comissão executiva da candidatura do Fado a Património da Humanidade, afirma-se que «a pesquisa documental e a sua análise permitiram abrir uma outra hipótese» para o fado: «uma origem operária». «Assim, o Canto do Fado enquanto canção improvisada das classes baixas, que trabalharam nas grandes obras que ao longo dos séculos XVIII e XIX se levantaram entre Mafra e Lisboa, surge dentro de uma sociabilidade específica: a dos operários».
Na mesma linha de promoção informada, o festival organiza uma oficina de trabalho ‘Fado Comentado’, com José Pracana, que dissertará sobre as características básicas do fado, a relação entre o poema, o intérprete e os instrumentistas, os vários tipos de fado (clássico, musicado e revisteiro) e os instrumentos de acompanhamento.
A esta abordagem diversificada do fado não poderia faltar o cinema, presente com a exibição dos documentários Com que voz (2009), sobre Alain Oulman, o autor de muitos dos fados de Amália, realizado pelo seu filho Nicholas, Rei sem Coroa (2011), sobre o fadista Fernando Maurício, e Fado Celeste (2010), sobre a fadista Celeste Rodrigues, ambos realizados por Diogo Varela Silva. Haverá ainda gastronomia portuguesa, mas o essencial será os espetáculos de Ana Moura (a 22 de junho), Ricardo Ribeiro (a 23) e Mariza (a fechar a 24).
Entretanto, Chaby Vaz lembra que no último trimestre deste ano haverá o Ciclo de Fado de Oviedo e a música portuguesa que será apresentada na 10ª Mostra Portuguesa em Espanha.